Malditos sintetizadores!!!

Strokes "On a highway to hell and going down": os americanos desistiram de fazer um rock dançante e alto astral para apostar numa overdose de sintetizadores

Strokes “On a highway to hell and going down“: os americanos desistiram de fazer um rock dançante e alto astral para apostar numa overdose de sintetizadores

Sintetizadores são o ícone musical dos anos 80. Naquela década que hoje é exaltada e cantada em revivals que não acabam nunca, aquele barulhinho metálico e aeroespacial vindo de um teclado conquistou fãs e marcou toda uma geração. New Order, Pet Shop Boys, Oingo Boingo, A-HA, The Pretenders, Duran Duran, Simple Minds… Todo mundo passeou por ali em algum momento. Depois vieram os rocks farofas, o grunge, os indies e eis que, em pleno desenrolar da segunda década do Século XXI, algumas bandas de rock vanguardista estão incorrendo num erro grosseiro, que é usar (e abusar) desse maldito recurso que já ficou pra trás e hoje só deveria existir nas festas do Paulinho Madrugada (Anos 80).

O pior exemplo, e para mim a grande decepção do momento, é o Strokes. Por muitos anos, enquanto tinham lançado apenas os três primeiros discos, os caras eram frequentemente citados como a maior banda dos anos 2000. Emplacaram vários clássicos e conseguiram um repertório respeitável, de qualidade, com personalidade própria e que ia muito além do mega hit Last Night. Mas aí ficaram cinco anos sem gravar nada, os integrantes da banda entraram em carreiras solo – um deles até andou tocando com o camarada do Los Hermanos – e veio o já decepcionante quarto disco, em 2011, o tal do Angles. Ali já dava pra ver que os caras tinham se perdido – What the fuck is Machu Pichu?

Mas, não contentes em jogar no lixo toda a reputação construída numa década já encerrada, os caras nesse começo de ano vinham divulgando em doses homeopáticas e torturantes as novas músicas do quinto disco, Comedown Machine, inclusive com clipes gravados no Brasil. Ainda com algum rescaldo dos primeiros discos, me arrisquei a ouvir a nova obra de Joe Casablanca (e cia definitivamente limitada), lançada na íntegra nessa semana.

E o resultado não poderia ser pior. A cada música que ia escutando, ia ficando inconformado. À exceção de 80’s Comedown Machine All The Time, que são lampejos de recordação dos bons e velhos tempos, o resto todo do álbum é um frankestein aberrante que inclui overdoses massacrantes de sintetizadores, como em One Way Trigger, um tecnobrega que lembra as rumbas latinas e certamente vai ficar famosa pelos gritinhos falsetes ridículos e pelo clipe tosco gravado nas ruas de São Paulo. 50 50 parece feita especialmente para você dormir e Call It Fate, Call It Karma fica como dica para os DJs que quiserem expulsar todo mundo de uma festa sem precisar dizer “chega, vão para casa”.

Se o Killers já é uma banda com tendências eletrônicas e “sintetizadoras”, o Strokes resolveu clonar sem a menor vergonha os conterrâneos. Escute a faixa com o sugestivo nome de Partners in Crime e será difícil saber se quem está cantando ali é Joe Casablanca ou Brandon Flowers. Outra que se esforça bastante (e consegue com louvor) para deixar de cabelo em pé até mesmo o fã antigo mais ardoroso da banda é Welcome to Japan, um lixo. E Tap Out deve ter saído diretamente da discografia não-autorizada da Cindy Lauper.

Aliás, o vocalista do Strokes anda inventando de cantar em estado de agonia. Só isso explica os berrinhos agudos intragáveis e as gravações como se o camarada estivesse cantando de dentro de um chuveiro. Ele simplesmente estraga músicas com potencial como Slow Animals Chances. 

Para completar, parece que os caras ainda entenderam errado o papo pós-moderno de que fazer música para videogame é um caminho para o sucesso. A faixa Happy Ending parece adequadissima para um jogo tipo Super Mario Bros

Fico de verdade triste com esses rumos que algumas bandas tomam. É legal experimentar coisas novas, mas rock de verdade tem guitarra, meu Deus do céu. O experimentalismo de uma banda que eu já curti muito me deixa realmente frustrado. Ainda bem que existem caras como Pearl Jam, Foo Fighters e até mesmo o recente Wolfmother para mostrarem que é possível continuar fazendo um som cada vez mais legal sem estuprar o ouvido de quem aprecia um bom, velho e novo rock and roll.

Que os Strokes descansem em paz.

Os campeões da curtição

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Não fiz nenhuma análise de campo ou levantamento estatístico, mas com tanto tempo investido em redes sociais (para alguns é desperdiçado, não é o meu caso), me arrisco a dizer aqui os temas campeões de popularidade no Facebook, uma das redes em que sou bastante assíduo:

1) Publicações sobre feitos e conquistas pessoais: “estou grávida”, “passei no vestibular”, ˜subi uma montanha”, “perdi 10kg”, “mudei de cidade”, “casei” e por aí vai. Esses são batata. É tipo mais de 100 curtidas em menos de uma hora. É quase politicamente incorreto você não curtir uma publicação de algum amigo (“amigo” de Facebook eu tô falando) seu que alcança alguma conquista desse porte. Brincadeiras à parte – e falando a verdade -, é bom demais ver as pessoas felizes e realizadas. Então esse tipo de publicação não tem erro.

2) Algum pedido de ajuda, para doação de sangue, ou situação que envolve a saúde ou a vida de alguém, ou mesmo algum aviso do tipo ˜roubaram meu carro˜. Normalmente este tipo de postagem ganha também muitos compartilhamentos. Nas redes, toda solidariedade é válida e, na velocidade de propagação proporcional à rede de contatos de cada um, a eficácia é maior e todo mundo quer ajudar como pode. E sem tirar a bunda da cadeira.

3) Internautas adoram um salseiro, uma confusão. Então, publicações que falam mal de alguma empresa em detalhes tendem a ser campeãs de audiência (e curtidas e compartilhamentos). Geralmente, as companhias telefônicas, aéreas e de TV a cabo são as baluartes da impopularidade não só no Procon, mas nas redes sociais também. É o caso raro em que mesmo um texto grande e sem foto ou vídeo, é devorado em detalhes pelos leitores. Tudo pela ânsia incontrolável de assistir a um barraco virtual de camarote.

4) Uma frase ou uma tirada realmente criativa é, na minha modesta opinião, o tipo de publicação que rende os índices de audiência mais honestos, puros e merecidos. Perdidas na imensidão de porcarias e idiotices que inundam nossas linhas do tempo, essas “sacadas” batutas, muito mais do que qualquer um dos itens acima, é o que diferencia os meninos dos homens. É o que forma (pro bem e pro mal) a imagem virtual do cidadão. Se você considerar que 90,87% (DataCampbell) das pessoas que estão no seu Facebook não são exatamente gente que te conhece nos mínimos detalhes, a imagem que a grande maioria faz de você no mundo real é o que você publica no mundo virtual. Então, se você sair da vala comum e sensata da galera que é discreta e “apenas observa”, saiba que dificilmente vai passar imune pelo julgamento popular em relação ao que postar: ou vai torrar o filme de vez e vira o bufão do Facebook ou quebra a cabeça pra postar algo relevante sempre e ganha alguns admiradores virtuais pelo menos.

Difícil? Nem tanto. O mundo virtual é bem parecido com o real: se você não tem nada para falar, não fale. Melhor ficar quieto e deixar a dúvida sobre a sua (ou minha, ou nossa, ou deles) “sem-gracisse” do que abrir a boca e dar aos Facebookers a certeza de que você (ou eu, ou nós ou eles) é tão interessante quanto uma pratada de chuchu. Como diz um amigo meu, “não te expõe, rapaz!˜.

As rainhas da música irritante

qotsailustracaoJá tinha visto o Queens Of The Stone Age (QOTSA para os íntimos) ao vivo no Rock In Rio III, em 2001, mas na época não dei a mínima pra eles, que só tinham lançado dois discos e ganharam notoriedade no festival apenas pelo fato de o vocalista ter sido preso após ficar pelado no palco. Então que, na minha saga de “estudar” as bandas que tocarão no Lollapalooza 2013, daqui a umas três semanas em São Paulo, fiz nos últimos meses uma imersão nos cinco discos lançados pelo QOTSA. Algo como “será que existe vida além de Feel Good Hit Of The Summer, Little Sister No One Knows?”.

Claro, como bom apreciador de bandas e músicas boas, encontrei algumas coisas bem legais, principalmente nos dois primeiros discos (Queens Of The Stone AgeRated R), como Regular John, que parece muito Strokes (ou o contrário, já que Casablanca e cia surgiram depois do QOTSA). Também curti Mexicola, The Lost Art Of Keeping a Secret Tension Head, algo 200% influenciado por Foo Fighters. Tem também Lightning Song, um clone da fase acústica do Led Zeppelin. Sim, há boas músicas gravadas pela banda.

Eu não sou de falar mal de bandas de rock mais ou menos consagradas. E mesmo quando faço alguma crítica, quase peço desculpas. Mas essa overdose de QOTSA, a despeito do prolífico contato com coisas boas, me levou a uma constatação bem sólida: nunca vi uma banda com tanta música irritante. Não tô falando de música ruim (apesar de que é tênue a linha entre a mediocridade e o trabalho mal-compreendido), mas de umas canções decididamente chatas, em que fiquei com a nítida sensação de que o criador (ou criadores) das mesmas simplesmente desisitu no meio da gravação e se limitou a repetir os mesmos dois acordes seguidamente. Sem nenhuma interrupção e de forma sincronizada por um, dois, às vezes três minutos seguidos. De enlouquecer o Pato Donald tentando segurar o vazamento da torneira.

Não julgo nenhum disco antes de ouvi-lo como atividade fim (ouço o disco prestando atenção no nome da música e me dedicando àquilo) pelo menos umas dez vezes. Então posso dizer em alto e irritante som: músicas como Walking On The SidewalksI Was a Teenage Hand Model, do primeiro disco, são de tirar do sério qualquer cara que não esteja espumando numa viagem lisérgica. I Think I Lost My Headache, do segundo disco, é poeticamente o contrário do que diz o título: uma receita pra dor de cabeça no pobre do ouvinte.

A chatice não pára e parece ser obrigatória e quase uma marca registrada da banda, que não passou nenhum de seus discos sem gravar algo xarope no estilo zumbi-mosquito-hipnotismo. Song For The Dead, do álbum Songs For The Deaf até começa bem, depois chega na mesma preguicite aguda arrastada: uma barulheira constante e sem variações. E sem comentários para a faixa-gracinha The Real Song For The Deaf, que encerra o álbum como papel higiênico cagado.

A capacidade desta banda ir do céu ao inferno em duas faixas impressiona ainda mais no até certo ponto aclamado quarto disco, o Lullabies to Paralyze, que tem, segundo o meu (suspeitíssimo) critério de avaliação, mais três músicas que fazem você querer esmurrar o botão de liga / desliga do rádio ou amaldiçoar eternamente os preguiçosos da Kiss FM, que não pega direito em Brasília nem sob tortura: Someone’s In The Wolf (com inaceitáveis sete minutos de pura irritação), “You’ve Got A Killer Scene There, Man” e Skin On Skin, para mim, a campeã da perturbação mental de toda a obra da banda.

Tem anos que os californianos do QOTSA não lançam um trabalho novo. O último disco, Era Vulgaris, de 2005, ainda teve uma edição especial lançada com faixas ao vivo e outras remixadas, que são de enfartar qualquer apreciador de guitarras, como eu.

Eu respeito a banda, que já tocou e gravou com o versátil e talentoso Dave Grohl em diversas ocasiões. Apesar da quantidade muito acima do tolerável de experiências erráticas, a discografia do QOTSA os permite fazer um show legal no Lollapalooza. Tentei achar a sequência que eles têm tocado ultimamente para ver se a chatice se limita aos discos….Mas eles não têm tocado ultimamente!!! Então, otimista que sou, levo a esperança de ver um show “visceral”, como definiu meu simpático amigo César Arrais. Espero que ele esteja certo.

Vagabundos iluminados

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Já li tinha lido dois livros do Jack Kerouac, o pai e criador da geração e do estilo beatnik de ser. On The Road (ou Na Estrada, em bom português), a obra-prima dele, é como se fosse a bíblia dos homens livres (mas não considero nenhum primor de escrita) e O Viajante Solitário, que conta suas desventuras mundo afora em navios e linhas de trem, achei bem fraco, tanto em texto como em conteúdo. Agora terminei de ler Vagabundos Iluminados, que para mim é o melhor dos três.

O livro conta as angústias de Ray Smith, um projeto de poeta e filósofo do nada, em sua busca pela “luz”, pela liberdade, por um estilo desprendido e descompromissado de viver, sem obrigações, sem apego a coisas materiais e cheio de emoções e situações complicadas e embaraçosas. A inspiração e fonte eterna de admiração de Ray é Japhy Rider, um jovem budista que exalta com naturalidade exatamente esses valores buscados por Ray: desprendimento da sociedade de consumo, vida com o mínimo de dinheiro e cheia de planos de fuga.

Em suas andanças com Japhy, Ray é apresentado a amigos “poetas”, montanhistas e uma série de sujeitos com um estilo alternativo de vida. Com Japhy e depois sem ele, Ray busca o isolamento completo do mundo, escalando montanhas na costa oeste dos Estados Unidos. Neste processo, pintam uma série de reflexões interessantes sobre a vida e os valores mais ou menos exaltados pela sociedade. “Para afastar os males do mundo e da cidade e encontrar minha alma verdadeiramente pura, eu só precisava de uma mochila decente nas costas“, conclui em determinado momento.

Escrito no fim dos anos 1950, pouco depois de Na EstradaVagabundos Iluminados usa e abusa de termos zen-darma-budistas e filosofias que às vezes enchem um pouco a paciência, mas a libertinagem (nada comparado ao Reinaldo Moraes, porém sobram relatos de amores livres, orgias, bebedeiras sem limites e decisões questionáveis) sutil com um tom até certo ponto irônico dão um retoque diferenciado e bacana ao livro.

Como que em constante negação ao mundo real e “opressor” em que vive (na verdade, o grande mantra dos beatniks), Kerouac nos descreve com maestria a sensação de paz e isolamento que acalma a alma e é até certo ponto o sonho de muita gente: “Agora vem a tristeza de voltar para as cidades e eu fiquei dois meses mais velho e lá está toda a humanidade de bares e apresentações burlescas e amor áspero, tudo de cabeça para baixo no vazio”. 

Fatalista, realista ou inquieto. Qualquer que seja o adjetivo usado para descrever as viagens filosóficas e reais de Ray e de seus amigos vagabundos iluminados, o fim, inevitável (a não ser que você queria morrer Na Natureza Selvagem) é o mesmo. “Eu sabia que aquele barraco e aquela montanha compreenderiam o que aquilo significava, e me virei e continuei seguindo a trilha que me conduziria de volta a esse mundo”. 

Que voltemos sempre melhores e mais iluminados para nossos mundos após qualquer imersão beatnik de reflexões.