Acampamento Krusty na Venezuela – Parte 1

No maior estilo "no limite", a pousada em Canaima foi apenas o aperitivo para o que estava por vir.

No maior estilo “no limite”, a pousada em Canaima foi apenas o aperitivo para o que estava por vir.

No começo de abril do ano passado, eu e um grande amigo nos metemos numa viagem fantástica de oito dias caminhando pelo Monte Roraima, que fica na Venezuela (um pedaço bem pequeno no Brasil e outro na Guiana). Como adoramos ecoturismo, trilhas, montanhas, etc, a “saga” foi perfeita, mesmo considerando todos os perrengues inerentes a esse tipo de incursão. Mas nem é sobre essa história que eu quero falar aqui não. Ocorre que, assim que voltamos lá da empreitada roraimesca, inventamos de seguir para uma jornada complementar aparentemente interessante mas que se revelou um périplo de acabar com a sanidade mental do mochileiro mais roots. O objetivo era chegar ao Salto Angel, a maior cachoeira do mundo, como novecentos e caralhada metros de altura e que fica no meio da Amazônia Venezuelana.

Pois bem, depois de termos caminhado 80km pelo Monte Roraima (o meu amigo bundou num dia e isso o deixou com saldo final de 74km), pegamos carona com o jipe da nossa guia até Santa Elena de Uáiren. No meio do caminho, arrasados de cansados, imundos e sem tomar um banho decente há mais de uma semana, já tendo injetado tudo quanto é tipo de remédio (pra dor de cabeça, enjôo, dor muscular, de estômago e o caralho a quatro), o tal jipe começa a refugar no meio do caminho. Até que pára. A gasolina era batizada. Depois de uma hora esperando socorro na estrada, conseguimos resgate. Tudo isso apenas para chegarmos à Santa Elena e ficarmos não mais do que quatro horas no hotel, tempo suficiente para tomarmos um banho e encararmos doze horas de busão noturno até Ciudad Bolívar.

A viagem da ida até que foi tranqüila. Chegamos sob um calor amazônico e fomos para o aeroporto de Ciudad Bolivar, pra agilizar o passeio até o Salto Angel. Fechamos um pacote de três dias com um camarada bem intencionado de uma operadora local que incluia a ida de teco-teco até Canaima, uma noite de hospedagem nas “pousadas” (tolinhos!!!) e o passeio de barco de sete horas de ida e outras sete de volta até o diabo da cachoeira, com pernoite em rede num acampamento (estilo “Krusty”- veja nota ao fim desse texto).

No primeiro dia, depois de um vôozinho sem-vergonha de cambaleante, chegamos meio tontos a Canaima. Lá não tinha ninguém esperando a gente com plaquinha nem nada. Mas um monte de guia / índio de bobeira ali, iniciativa zero. Aí encontramos, depois de alguns questionamentos, o tal do “Félix”, que seria algo como o nosso cuidador até o fim da desventura. Chegamos e ele já avisou: “O seu pacote não dá direito a carro. Vamos caminhando, é por ali”. Fechou a cara e foi caminhando. E nós vendo um monte de gente chegando e indo de carro até as pousadas. Beleza, uma estrada de barro tosca, mas cercada de várias cachoeiras e uma lagoa espetacular. Aí fomos passando por uma pousada, por outra, até que chegamos à nossa. Demorei pra acreditar no que vi: um casarão velho em obras, no meio de um barro enlamaçado, tosquíssimo. Sem nenhuma orientação, o Félix nos indicou o quarto e vazou, provavelmente pra buscar outros otários como nós. A chave já emperrou na porta. Tinha que dar um porradão para abrir. E não trancava.

Minhoca no chão do Acampamento Krusty em Canaima: parece pequena? Essa era filhotinha

Minhoca no chão do Acampamento Krusty em Canaima: parece pequena? Essa era filhotinha

Tava suando em bicas, então fui tomar banho e reparei que não tinha toalha. Pedi por uma e alguém lá de fora berrou: “No hay toallas!!! No tiénen!!!” (ou coisa do tipo). Tipo meio que dando esporrôncio. “Foda-se o banho. Vou deitar”. Deitei numa cama tosca, dessas de sítio abandonado em filme de terror. Em um minuto, a dita cuja quebrou, com um estrondo e eu me estatelei no piso rachado da habitação. Como era beliche, fui pro “andar de cima”. Com vista panorâmica para uma vasta teia de aranha de fazer inveja à Laracna. Cheia de ovinhos e casulos e tudo quanto é tipo de inseto capturado. Nisso, o meu amigo que tinha ido tomar banho, falou alto: “eita, porra, vem ver essa parada aqui, que escroto!!!”. No banheiro do chuveiro, tinha uma minhoca gigante, tipo um filhote de cobra, sei lá. Asqueroso.

Quando saímos do quarto (quase que um instinto de sobrevivência), tinha uns rangos lá na mesa de jantar já rodeados de moscas. Que supomos, era o nosso almoço. Deviam estar ali há meia hora. Ninguém avisou. Nesse meio tempo, outros pobres-coitados chegaram para se juntarem aos manés aqui. Um espanhol da nossa idade, duas coroas francesas – as mais bem resolvidas e tranquilas – e mais uns três ou quatro gaiatos. E a gente meio que com a sensação de estarmos invadindo a casa de uma galera local, dada a enorme quantidade de índios que ficavam ali a tarde inteira sem fazer nada. Tinha um velho, que deveria ter sei lá, uns 100 anos, que me parecia mais morto do que vivo. Ficava prostrado numa cadeira o dia inteiro sem fazer um movimento sequer. Mas meio que te sacando de canto de olho. Apavorante.

Mas dane-se tudo, né? Apesar dos pesares, a gente é mochileiro, sujo,tosco, etc. Aguentariamos, ne?

O jeito, pensamos, era ficarmos longe daquilo ali o tempo todo, dar um rolé pelas cachoeiras da região e só voltar la para dormir. Tomamos uns gorós com o pobre do espanhol num barzinho que tinha na vila e, andando com fé (porque a fé não costuma falhar), voltamos de noite pro casarão mal-assombrado.

Se tava trash até ali, a gente nem fazia ideia de como pioraria nos dois dias seguintes.

(CONTINUA EM ALGUNS DIAS)

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PS: Ainda não entendeu o título do texto? Dá uma sacada aqui