Já li tinha lido dois livros do Jack Kerouac, o pai e criador da geração e do estilo beatnik de ser. On The Road (ou Na Estrada, em bom português), a obra-prima dele, é como se fosse a bíblia dos homens livres (mas não considero nenhum primor de escrita) e O Viajante Solitário, que conta suas desventuras mundo afora em navios e linhas de trem, achei bem fraco, tanto em texto como em conteúdo. Agora terminei de ler Vagabundos Iluminados, que para mim é o melhor dos três.
O livro conta as angústias de Ray Smith, um projeto de poeta e filósofo do nada, em sua busca pela “luz”, pela liberdade, por um estilo desprendido e descompromissado de viver, sem obrigações, sem apego a coisas materiais e cheio de emoções e situações complicadas e embaraçosas. A inspiração e fonte eterna de admiração de Ray é Japhy Rider, um jovem budista que exalta com naturalidade exatamente esses valores buscados por Ray: desprendimento da sociedade de consumo, vida com o mínimo de dinheiro e cheia de planos de fuga.
Em suas andanças com Japhy, Ray é apresentado a amigos “poetas”, montanhistas e uma série de sujeitos com um estilo alternativo de vida. Com Japhy e depois sem ele, Ray busca o isolamento completo do mundo, escalando montanhas na costa oeste dos Estados Unidos. Neste processo, pintam uma série de reflexões interessantes sobre a vida e os valores mais ou menos exaltados pela sociedade. “Para afastar os males do mundo e da cidade e encontrar minha alma verdadeiramente pura, eu só precisava de uma mochila decente nas costas“, conclui em determinado momento.
Escrito no fim dos anos 1950, pouco depois de Na Estrada, Vagabundos Iluminados usa e abusa de termos zen-darma-budistas e filosofias que às vezes enchem um pouco a paciência, mas a libertinagem (nada comparado ao Reinaldo Moraes, porém sobram relatos de amores livres, orgias, bebedeiras sem limites e decisões questionáveis) sutil com um tom até certo ponto irônico dão um retoque diferenciado e bacana ao livro.
Como que em constante negação ao mundo real e “opressor” em que vive (na verdade, o grande mantra dos beatniks), Kerouac nos descreve com maestria a sensação de paz e isolamento que acalma a alma e é até certo ponto o sonho de muita gente: “Agora vem a tristeza de voltar para as cidades e eu fiquei dois meses mais velho e lá está toda a humanidade de bares e apresentações burlescas e amor áspero, tudo de cabeça para baixo no vazio”.
Fatalista, realista ou inquieto. Qualquer que seja o adjetivo usado para descrever as viagens filosóficas e reais de Ray e de seus amigos vagabundos iluminados, o fim, inevitável (a não ser que você queria morrer Na Natureza Selvagem) é o mesmo. “Eu sabia que aquele barraco e aquela montanha compreenderiam o que aquilo significava, e me virei e continuei seguindo a trilha que me conduziria de volta a esse mundo”.
Que voltemos sempre melhores e mais iluminados para nossos mundos após qualquer imersão beatnik de reflexões.